A
Operação Carne Fraca sacudiu o país na sexta-feira e levantou a
questão: você sabe exatamente o que está comendo? Se já temos que
conviver com pesticidas em legumes, frutas e verduras, imagine quando se
trata de um alimento industrializado! Sabemos que é praticamente
impossível decifrar o que está escrito em letras tão miúdas que exigem
lupa e esta situação se agrava com a idade e com a existência de doenças
crônicas – será que é seguro consumir o que está dentro do pacote?
Felizmente já há muita gente se mobilizando para mudar esse quadro. Uma
delas é a professora Isabel de Paula Antunes David, graduada em
nutrição, doutora em fisiologia pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro e pesquisadora do Departamento de Fisiologia e Farmacologia da
Universidade Federal Fluminense. Atualmente, ela faz parte de um grupo
de pesquisa que testa a eficácia de advertências de texto e de sistemas
de rotulagens a serem incluídos na propaganda veiculada nos meios de
comunicação e nos rótulos dispostos nas embalagens de alimentos
ultraprocessados.
Afinal, o que são alimentos ultraprocessados e por que eles se distinguem dos demais?
Isabel David:
Os alimentos ultraprocessados são formulações industriais contendo
cinco ou mais ingredientes inteira ou majoritariamente constituídos por
substâncias extraídas de alimentos (como açúcar, óleos, gorduras,
proteínas e sal) ou derivadas de constituintes de alimentos (como
gordura hidrogenada, amido modificado, hidrolisados proteicos, açúcar
invertido, xarope de milho). Essas formulações ainda recebem aditivos
como antioxidantes, corantes, estabilizantes, conservantes, realçadores
de sabor e edulcorantes artificiais.
Pode nos dar um exemplo dessa manipulação dos ingredientes?
Isabel David:
Alguns produtos ultraprocessados são fáceis de serem identificados,
como refrigerantes, balas, chocolates, pós com sabor de fruta para
preparar refrescos e alguns tipos de biscoitos do tipo snack. O problema é que muitos dos aditivos são usados para simular atributos sensoriais de alimentos in natura,
ou preparações culinárias artesanais. Alguns são mais difíceis de serem
identificados, como sucos de fruta líquidos, sorvetes, bolos, pães,
congelados pré-preparados prontos para aquecer (como tortas, pratos de
massa, pizzas, salgados), produtos de carne reconstituída (como nuggets, salsicha, hambúrguer e outros), além dos “instantâneos”: macarrão, sopas e sobremesas. Por exemplo, os snacks
de batatas podem conter compostos modificados de cereais como arroz e
milho, aditivos (como aromatizantes, estabilizantes, corantes e
conservantes), além de quantidades excessivas de gorduras e sal. Muitos
sucos contêm baixa quantidade da fruta (quando contêm alguma), pouca
fibra e alta quantidade de açúcar, além dos aditivos já mencionados.
Qual
é a relação entre o consumo desses alimentos e o aumento de casos de
obesidade e diabetes? Eles também podem estar associados à hipertensão e
ao câncer?
Isabel David:
Esses produtos contêm um alto valor calórico e baixo valor nutricional,
com quantidade excessiva de açúcar, gordura saturada, gordura trans e
sal. Já é consolidada a informação de que o consumo excessivo desses
componentes está associado ao desenvolvimento de obesidade, cárie
dental, doenças coronarianas, hipertensão e diabetes. A obesidade está
ainda associada ao desenvolvimento de vários tipos de câncer.
Por que esse tipo de comida parece tão atraente se é tão artificial? O que a indústria faz para “fisgar” o consumidor?
Isabel David:
São produtos hiperpalatáveis, com grande apelo sensorial. Mas esse
apelo vem justamente da utilização de substâncias pouco saudáveis, como o
glutamato monossódico, que realça o sabor, ou a frutose, um açúcar
modificado que altera o nosso metabolismo. Faça suco de fruta em sua
casa e veja se ele tem a cor intensa dos sucos artificiais. Ou veja se
dá para fazer batatas fritas tão crocantes quanto as ultraprocessadas...
Para culminar, são produtos práticos, baratos, duráveis e acompanhados
de uma propaganda agressiva.
No caso dos idosos, o consumo dos alimentos processados traz algum risco extra à saúde?
Isabel David: O consumo excessivo de ultraprocessados pode agravar doenças preexistentes ou favorecer o surgimento de novas doenças.
Toda
essa discussão nos leva à questão da rotulagem dos alimentos, que
parece ser quase incompreensível de propósito. Para os mais velhos,
inclusive, é praticamente ilegível. Que é a avaliação dos pesquisadores?
Isabel David:
Uma vez que o consumidor não consegue facilmente identificar nesses
produtos a quantidade excessiva de gordura, açúcar, sal e aditivos, os
sistemas de rotulagem nutricional desempenham um papel informativo
importante. O intuito é garantir o direito do consumidor de escolher o
produto com base em informações nutricionais confiáveis. No Brasil, as
informações nutricionais nas embalagens são até bastante completas em
comparação a outros países, mas também são de difícil compreensão para a
população em geral, em letras pequenas e dispostas na parte de trás da
embalagem. Nosso grupo de pesquisa tem testado em laboratório a eficácia
de sistemas de rotulagens propostos ou já utilizados em outros países,
como o semáforo nutricional. Uma questão importante é que,
independentemente do sistema de rotulagem, o ideal é dar preferência aos
alimentos in natura ou minimamente processados.
O que é o semáforo nutricional, que já foi adotado em diversos países?
Isabel David:
O sistema de rotulagem em forma de semáforo nutricional foi proposto
inicialmente no Reino Unido, há cerca de dez anos, e utiliza diferentes
cores como indicativo de valores elevados ou seguros de açúcar, sódio e
gordura saturada como: verde (seguro), amarelo (atenção) e vermelho
(elevado). É simples, inteligível ao consumidor e estudos têm demostrado
que o semáforo nutricional aumenta consideravelmente a capacidade dos
consumidores de avaliar a salubridade dos alimentos.
Como
o Brasil se situa em relação aos demais países no que diz respeito ao
uso de aditivos nos alimentos ultraprocessados? Quais são malefícios que
essas substâncias trazem?
Isabel David:
Apesar de a indústria utilizar somente aditivos alimentares que são
permitidos legalmente, é discutível qual seria a quantidade e a
frequência de consumo seguras a longo prazo, além do possível efeito da
interação entre os vários aditivos consumidos. Por exemplo, estudos têm
apontado o potencial carcinogênico de alguns aditivos, como os
subprodutos do corante caramelo IV, presente em refrigerantes e
biscoitos. O uso deste corante foi reduzido nos Estados Unidos e Canadá,
mas, segundo pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do
Consumidor, aqui no Brasil a quantidade utilizada ainda é bastante
superior que em outros países.
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