Colegas,
Gostaria
de prestar diretamente a vocês algumas informações sobre o trabalho
realizado a partir da colaboração da empresa Odebrecht, no âmbito da
investigação Lava Jato, considerando a relevância do caso, sua magnitude
e seus impactos para o futuro da Instituição.
Como
já é de conhecimento geral, no fim do ano passado, firmamos um grande
acordo de colaboração com a empresa e com diversas pessoas físicas que
integram seu corpo diretivo. No total, 77 executivos e ex-executivos da
Odebrecht firmaram o acordo e prestaram declarações em que revelam os
meandros da corrupção em nosso país de forma jamais imaginada. Isso sem
falar nos acordos de leniência firmados com as empresas do grupo.
A
preparação do acordo exigiu a realização de pelo menos 48 reuniões
entre as partes, no período de fevereiro a dezembro de 2016. Na
sequência, envolvemos mais de 100 colegas, em 34 unidades do Ministério
Público Federal, para colher os 950 termos de declaração dos
colaboradores em apenas uma semana.
Esse
trabalho exigiu de todos nós envolvidos no processo um esforço
sobre-humano para colher-se os depoimentos, organizá-los, elaborar
petições e, por fim, encaminhar todo o caso ao Supremo Tribunal Federal.
Todas essas tarefas foram ultimadas em apenas 15 dias, de modo que,
antes do recesso, o material já estava à disposição da Corte para exame e
homologação.
Por
óbvio, um trabalho dessa envergadura só poderia ser fruto de uma equipe
realmente comprometida com as graves responsabilidades que pesam sobre a
Instituição. Não só o Grupo de Trabalho que me auxilia, como também os
colegas da Força-Tarefa de Curitiba, em um trabalho de colaboração
mútua, viabilizaram o êxito dessa empreitada. Preparamos, GT-PGR e
FT-Curitiba, toda a logística necessária para elaborar, revisar, assinar
os acordos e colher os 950 termos de declaração que, em seguida, foram
encaminhados ao STF, por petições, para homologação.
Os
termos dos 77 acordos celebrados foram homologados no fim do mês de
janeiro pela Ministra-Presidente, Cármen Lúcia. Desde então, as
dedicadas equipes do GT-PGR e da FT-Curitiba trabalharam incessantemente
para organizar o material e dar o tratamento jurídico adequado e
individualizado a cada caso.
Ainda
como efeito do acordo celebrado, realizamos, sob a liderança do MPF, no
mês de fevereiro, reunião com chefes de 10 Ministérios Públicos
ibero-americanos e reuniões específicas com um MP africano para
tratarmos das repercussões do caso Odebrecht naqueles países, já que
parte dos fatos revelados nas colaborações e acordos de leniência dizem
respeito a atos de corrupção ocorridos naquelas jurisdições
estrangeiras. Podemos, com isso, dizer que antecipamos em 3 anos o
objetivo previsto no Planejamento Estratégico Institucional de ser o
Ministério Público Federal reconhecido nacional e internacionalmente
pela excelência na atuação no combate ao crime e à corrupção.
Dos
pedidos de homologação encaminhados, originaram-se 320 providências
requeridas ao STF, assim distribuídas: 83 pedidos de instauração de
inquérito, 211 pedidos de declínio de atribuição, 7 promoções de
arquivamento, 19 outras providências.
Por
esse trabalho extraordinário, gostaria de publicamente empenhar meu
sincero agradecimento e respeito aos colegas do Grupo de Trabalho – PGR e
da Força-Tarefa – Curitiba. Agradeço profundamente aos membros que nos
auxiliaram, a partir de suas unidades, na coleta dos depoimentos, sem
prejuízo de suas atribuições ordinárias, e aos dedicados servidores que
trabalharam arduamente nas tarefas de logística fundamentais para o
sucesso do empreendimento.
Devo
ainda ressaltar, para reflexão geral, que, sem uma equipe de natureza
permanente e composta por membros para apoio ao Procurador-Geral da
República, seria impossível levar a bom termo as graves
responsabilidades do cargo que ora desempenho, em prejuízo não só do MPF
como de todo o Ministério Público brasileiro.
Eis
assim um relato objetivo do que representou, em tempo e números, o
acordo da Odebrecht. Poderia encerrar o texto por aqui, mas a
singularidade do momento impõem-me tecer ainda algumas considerações
sobre os reflexos meta-jurídicos decorrentes desse acordo histórico.
A
expectativa em relação ao encaminhamento que daríamos aos depoimentos
decorrentes do acordo da Odebrecht tem provocado muita apreensão no meio
político, na imprensa e na sociedade de forma geral. As revelações que
surgem dos depoimentos, embora já fossem presumidas por muitos, lançadas
assim à luz do dia, em um procedimento formal perante a nossa Suprema
Corte, nos confrontarão com a triste realidade de uma democracia sob
ataque e, em grande medida, conspurcada na sua essência pela corrupção e
pelo abuso do poder econômico e político.
Certamente
o MPF terá dois desafios institucionais a vencer a partir de hoje:
manter, como sempre o fez, a imparcialidade diante dos embates
político-partidários que decorrerão do nosso trabalho e velar pela
coesão interna. Não temos a chave mágica para a solução de todos os
problemas revelados com a Lava Jato – especialmente agora, com a
colaboração da Odebrecht –, mas, na parte que nos compete, asseguro a
todos vocês que continuarei a conduzir o caso sob o viés exclusivamente
jurídico, sob o compasso da técnica e com a isenção que se impõe a
qualquer membro do Ministério Público.
Por
fim, é preciso ficar absolutamente claro que, seja sob o ponto de vista
pessoal – sou um democrata congênito e convicto –, seja sob a ótica da
missão constitucional do MP de defender o regime democrático e a ordem
jurídica, o trabalho desenvolvido na Lava Jato não tem e jamais poderia
ter a finalidade de criminalizar a atividade política. Muito pelo
contrário, o sucesso das investigações sérias conduzidas pelo MPF até
aqui representa uma oportunidade ímpar de depuração do processo político
nacional, ao menos para aqueles que acreditam verdadeiramente que é
possível, sim, fazer política sem crime e que a democracia não é um jogo
de fraudes, nem instrumento para uso retórico do demagogo, mas um valor
essencial à sociedade moderna e uma condição indispensável ao
desenvolvimento sustentável do nosso país.
Coragem e confiança!
Forte abraço.
Rodrigo Janot
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