quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

A bola

 


Era de couro, cheia de estopa, a bola dos chineses. Os egípcios do tempo 
dos faraós fizeram bolas de palha ou de casca de cereais, e envolveram-na
 em tecidos coloridos. Os gregos e os romanos usavam uma bexiga de
 boi, inflada e costurada. Os europeus da Idade Média e do 
Renascimento jogavam com uma bola oval, cheia de crina. Na América,
 feita de borracha, a bola pode ser saltitante como em nenhum outro 
lugar. Contam os cronistas da corte espanhola que Hernán Cortés 
pôs-se a brincar com uma bola mexicana, fez com que ela voasse a 
grande altura, diante dos olhos esbugalhados do imperador Carlos.
A câmara de borracha, inflada através de uma bomba e coberta de couro, 
nasceu em meados do século XIX, graças ao engenho de Charles Goodyear,
um norte-americano de Connecticut. E graças à habilidade de 
Tossolini, Valbonesi e Polo, três argentinos de Córdoba, nasceu muito 
depois a bola sem nó. Eles inventaram a câmara com válvula, inflada
 por injeção, e desde o Mundial de 38 foi possível cabecear sem 
machucar-se com o nó que antes amarrava a bola.
Até meados do século passado, a bola foi marrom. Depois, branca. Em 
nossos dias, tem diferentes modelos, em preto sobre fundo branco. Agora 
tem uma circunferência de setenta centímetros e é revestida de 
poliuretano sobre espuma de polietileno. É impermeável, pesa menos de 
meio quilo e viaja mais rápido que a velha bola de couro, que ficava 
impossível nos dias chuvosos.
É chamada por muitos nomes: esfera, redonda, couro, globo, balão, 
projétil. No Brasil, ninguém duvida de que ela é mulher. Os brasileiros
 chamam a bola degorduchinha, menina, e dão a ela nomes como 
Maricota, Leonor ou Margarida.
Pelé beijou-a no Maracanã, quando fez seu gol de número mil, e Di 
Stefano construiu para ela um monumento na entrada de sua casa, uma bola de bronze com uma placa que diz: Gracias, vieja.
Ela é fiel. Na final do Mundial de 30, as duas seleções exigiram jogar com
 bola própria. Sábio como Salomão, o juiz decidiu que o primeiro tempo
 fosse disputado com bola argentina e o segundo tempo com bola 
uruguaia. A Argentina ganhou o primeiro tempo, e o Uruguai, o segundo.
 Mas a bola também tem suas veleidades, e às vezes não entra no gol 
porque no ar muda de opinião, e se desvia. É que ela é muito suscetível.
 Não suporta que a tratem a patadas, nem que batam nela por vingança.
 Exige que a acariciem, que a beijem, que a embalem no peito ou no 
pé. É orgulhosa, talvez vaidosa, e não lhe faltam motivos: ela sabe muito 
bem que dá alegria a muitas almas quando se eleva com graça, e que são 
muitas as almas que se estragam quando ela cai de mau jeito.
Eduardo Galeano, in Futebol ao sol e à sombra

Nenhum comentário: