quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Zuenir Ventura, O Globo


Depois de 12 anos como ministro-chefe da Controladoria-Geral da União, órgão de fiscalização do governo, Jorge Hage, saturado, desabafou: “Não me assusto com mais nada.” Mesmo sem ter investigado cartéis, quadrilhas, esquemas e escândalos, como ele, posso dizer que no meu caso o que acabou foi a surpresa. Temo não me espantar com mais nada. Muitos leitores já estão assim: blasés, cínicos.
É tamanha a overdose de mais do mesmo todo dia que pode estar ocorrendo uma certa anestesia após as reações iniciais. Primeiro, os escândalos produziram choque; em seguida, indignação; depois, apatia; e agora, impotência, como se nada pudesse ser feito.
A política tornou-se um espetáculo tristemente enfadonho, alternando personagens e proezas que se superam diariamente: os de hoje são mais incríveis do que os de ontem, e certamente menos do que os de amanhã.
Num dia você diz “não é possível”, ao ler que o desvio no petrolão é seis vezes maior do que o do mensalão. No dia seguinte, são os e-mails de uma ex-funcionária mostrando que a cúpula da empresa, incluindo a presidente, fora alertada sobre uma série de graves irregularidades antes do início da Operação Lava-Jato. E assim por diante.
Um gerente se compromete a devolver US$ 100 milhões desviados, e ninguém explica como um gerente — não um diretor — conseguia acumular essa fortuna sem que um superior percebesse, numa empresa com hierarquia e níveis de comando e de controle?
A geração que nos anos 50 saiu às ruas gritando “O petróleo é nosso” jamais podia imaginar que o inimigo não estaria fora, mas dentro da estatal, e que o orgulho nacional um dia viraria caso de polícia ou, como disse um procurador da República, “uma aula de crime”. De fato, o vocabulário a ela associado passou a ser o da crônica policial: propina, suborno, corrupção, lavagem de dinheiro, organização criminosa, desvio, roubo.
E quando você acha que já viu tudo, vem o Ministério Público e adverte que ainda tem mais. A Operação Lava-Jato já fez 36 réus, isso até ontem. O que será que ainda vem por aí? Alguns palácios tremem só de pensar.
Pra não dizer que não falei das flores, teve Marina Silva em dois momentos especiais: numa elegante e reveladora entrevista a Roberto D’Ávila, em que em vez de maldizer os que a maltrataram na campanha preferiu agradecer os 22 milhões que votaram nela no primeiro turno. E na ilustre posição de “Mulher do ano”, eleita pela revista inglesa “Financial Times”, que resolveu premiá-la por ser uma “espécie rara de política”, “visionária e idealista que acredita com sinceridade no que diz”.
Movimento O petróleo é nosso! nos anos 1940 e início dos 1950 levou à criação da Petrobrás, por Getúlio Vargas, em 1953 (Foto: Divulgação)Movimento O petróleo é nosso! nos anos 1940 e início dos 1950 levou à criação da Petrobrás, por Getúlio Vargas, em 1953 (Imagem: Divulgação)
Zuenir Ventura é jornalista

Nenhum comentário: