sexta-feira, 31 de julho de 2015

O elo perdido do DPVAT

Paulo Cesar Marques da SilvaPaulo Cesar Marques da Silva

Engenheiro, doutor em estudos de transportes pela University College London (Reino Unido), é professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília. Escreve às quintas-feiras
Reportagem sobre assunto de inegável interesse público desperdiça oportunidade de promover comportamentos seguros para surfar na onda da má aplicação de recursos
A edição de ontem do Bom Dia Brasil, da Rede Globo, trouxe uma matéria relativamente longa (para os padrões dos jornais da emissora), que deve ter deixado telespectadores indignados, quiçá com suspeitas de que recursos vêm sendo desviados. Mas será que era a melhor abordagem?
Trata-se do cotejamento entre o aumento do valor do seguro obrigatório pago pelos proprietários de veículos automotores e o congelamento das indenizações pagas pelo DPVAT (que significa Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre). De fato, na forma como são apresentados na matéria, os números causam indignação. Desde 2007, motoristas tiveram um aumento de 19% no valor do seguro obrigatório, enquanto motociclistas estão pagando 56% a mais. Do outro lado, permanecem em R$ 13.500 as indenizações por morte ou invalidez permanente.
Esse foi o conteúdo da primeira metade da matéria. Embora eu não seja especialista em comunicação, suponho que parcela significativa dos telespectadores (ainda mais de manhã cedo) já tenha se dado por suficientemente informada sobre o assunto a tal altura e não tenha prestado muita atenção à segunda metade. Mas vamos trabalhar um pouquinho sobre mais alguns números.
A mesma matéria nos informa que os valores das indenizações eram indexados ao salário mínimo, mas tal dispositivo foi julgado inconstitucional em 2007 – por isso o congelamento desde então. Também nos diz que os valores totais pagos a quem recorreu ao DPVAT foram de R$ 547 milhões em 2008 e de R$ 2,249 bilhões no ano passado – um aumento de 311%. Ora, como o valor do salário mínimo em 2007 era de R$ 380 e no ano passado era de R$ 724, se o mecanismo de reajuste tivesse sido mantido os benefícios teriam sido corrigidos em 91% no período. Portanto, atrelar uma coisa à outra, com ou sem a mediação do salário mínimo, não resolveria o problema.
Aliás, essa lógica não vale para tipo algum de seguro. O que rege esse mercado está no campo das probabilidades e do risco. A solução para a equação, portanto, está na redução dos acidentes e suas vítimas. Fosse eu o responsável por produzir a matéria do Bom Dia Brasil, teria ido por esse caminho. E teria mostrado também que o DPVAT não se destina apenas a indenizar as vítimas individualmente. Metade dele vai para o sistema de saúde (sempre abarrotado de feridos pelos veículos) e para o órgão gestor do trânsito (para ser custear campanhas de educação e segurança).
A propósito, fosse eu o produtor também cuidaria para que repórter e personagem seguissem à risca todas as regras de segurança, o que infelizmente não aconteceu. Quando o cronômetro do vídeo chega ali em torno dos 2:00 minutos, surge a repórter Flávia Jannuzzi na garupa de uma motocicleta. O motociclista para, ela tira o capacete e continua sua fala; depois recoloca o capacete e o motociclista retoma a viagem com Flávia. Um bom roteiro, mas com uma falha: nem condutor nem carona abaixam a viseira do capacete. A infração é gravíssima, sujeita a multa de R$ 191,53 (por sinal, valor congelado desde 2000, como comentei em outro artigo aqui neste espaço).

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