quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Crime de hermenêutica

 
 
O debate a respeito das decisões da Justiça Federal de São Paulo e do Supremo Tribunal Federal sobre a prisão de Daniel Dantas rendeu acaloradas discussões e notas de repúdio ou defesa em favor do juiz federal ou do ministro do Supremo Tribunal Federal. 

Cumpre ponderar que todos aqueles que defendem a liberdade de convicção judicial, própria das democracias modernas, garantia dos juízes e da sociedade, devem respeitar a convicção de cada magistrado. Se a decisão foi correta ou incorreta, o caminho para discussão será o recurso ao órgão superior.

Todavia, a pretensa tentativa de determinar a remessa das decisões do juiz federal aos órgãos correicionais esbarra no art. 41 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Segundo esse dispositivo, "Salvo os casos de impropriedade ou excesso de linguagem o magistrado não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir". Na condução de qualquer processo judicial, o magistrado deve respeito e obediência às leis do país e à sua consciência.

Não parece aceitável, todavia, que as decisões do ministro do Supremo Tribunal Federal e do juiz federal de São Paulo, sejam acoimadas de ilegais ou abusivas somente pelo conteúdo dado ao caso sob exame de cada um deles. As decisões sempre refletirão um entendimento pautado na convicção pessoal e na interpretação das leis. 

Não se pode ressuscitar o odioso crime de hermenêutica, combatido por Rui Barbosa, que lançou vetusta advertência: "Para fazer do magistrado uma impotência equivalente, criaram a novidade da doutrina, que inventou para o Juiz os crimes de hermenêutica, responsabilizando-o penalmente pelas rebeldias da sua consciência ao padrão oficial no entendimento dos textos. 

Esta hipérbole do absurdo não tem linhagem conhecida: nasceu entre nós por geração espontânea. E, se passar, fará da toga a mais humilde das profissões servis, estabelecendo, para o aplicador judicial das leis, uma subalternidade constantemente ameaçada pelos oráculos da ortodoxia cortes" (Obras Completas de Rui Barbosa, Vol. XXIII, Tomo III, p. 228).

Nessa linha, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que "O magistrado não pode ser censurado penalmente pela prática de atos jurisdicionais" (APn n° 441, de São Paulo, rel. Min. Peçanha Martins). E a censura indevida se espraia pelo campo do direito administrativo, pois em se tratando de decisão judicial, o magistrado deve ostentar plena garantia para interpretar e decidir.

 
LEANDRO PASSIG MENDES
Diretor de Defesa e Valorização do Magistrado da Associação dos Magistrados Catarinenses

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