sábado, 3 de junho de 2017

Pobre Garrincha

 
Ruy Castro
Folha de São Paulo 
O casal Garrincha e Elza Soares posa com a taça Jules Rimet em foto de 1966

Os ossos de Garrincha desapareceram no cemitério de Raiz da Serra, distrito de Magé (RJ). Parece que, há tempos, alguém precisou de seu túmulo para enterrar uma parenta e o removeram para lugar não sabido. Não está claro se isso aconteceu com conhecimento ou autorização de suas filhas –é difícil extrair delas um pensamento coerente.

Mas um fato como este traz de volta o velho mito nacional de que Garrincha morreu abandonado. Nossa vocação para o coitadismo precisa de um modelo, e Garrincha se presta bem a ele. A verdade, no entanto, é outra: Garrincha não morreu abandonado. E foi ajudado por muita gente —exceto por si mesmo.

Ninguém o ajudou mais que Elza Soares. Desde 1962, quando se conheceram, ela tentou organizar suas finanças, lutou para que não bebesse, escondeu seus porres e levou-o para clubes, cidades e países onde ainda acreditassem nele. Elza criou para Garrincha o "jogo da gratidão" no Maracanã, em dezembro de 1973, em que 131.555 pessoas pagaram ingresso, e a renda se destinou a casas para as filhas dele. Elza deu a Garrincha até um filho homem. Mas, ao fim de 15 anos, em 1977, separou-se —ou também seria destruída.

Garrincha foi ajudado por um empresário, um banqueiro, um juiz, o Itamaraty, o IBC (Instituto Brasileiro do Café), a LBA (Legião Brasileira de Assistência), a AGAP (Associação de Garantia ao Atleta Profissional) e até pela CBF, presidida por Giulite Coutinho. Médicos e psicólogos dedicaram-lhe tempo integral, sem cobrar; Garrincha foi assistido pelos grupos de AA do Catete e de Bangu e por jornalistas e ex-jogadores seus amigos; e, em seus últimos três anos, foi internado pelo menos 18 vezes em clínicas psiquiátricas.

Todos queriam salvá-lo, mas de nada adiantou. Garrincha foi vítima da brutal ignorância brasileira sobre o alcoolismo.

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