segunda-feira, 16 de outubro de 2017

O discurso vivo

 


A cidade tinha um orador para todo serviço, o Tomé. Tanto saudava os aniversariantes como enaltecia os defuntos, e não havia Festa da Bandeira ou celebração da Independência em que ele não soltasse o verbo. Verbo potente e impressionante, pois o que distinguia a oratória de Tomé era menos a qualidade do que o volume e duração do som.
Alguns homens com pendores demostênicos tentavam imitá-lo sem êxito. Acabaram desistindo de discursar. Tomé ficou absoluto, e dizem que, alta noite, não tendo solenidade para expandir-se, discursava sozinho. E todos se punham a escutá-lo, na vizinhança.
Por fatalidade, perdeu a voz ao saudar miss Chicória, símbolo do principal produto do município, eleita em concurso disputadíssimo. Não teve remédio senão continuar falando por gestos, e arrebatou o auditório. Tomé, orador mímico daí por diante, ficou ainda mais popular. Nem precisava abrir os braços e a boca. Era o discurso em si, independente de tudo.
Carlos Drummond de Andrade, in Contos plausíveis

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