J.R. Guzzo: Tudo resolvido
É provável que não exista no Brasil de hoje, para quem está interessado em acompanhar a nossa comédia política de cada dia, nenhuma maneira mais garantida de perder tempo do que ler pesquisas eleitorais – e, sobretudo, ficar pensando depois no que pode significar aquele angu de números, porcentagens e tabelas que nos jogam em cima. As pesquisas exibidas ao público asseguram que os dois candidatos com mais chances de chegarem à Presidência da República nas eleições de 2018 são o ex-presidente Lula, em primeiro lugar, e o deputado Jair Bolsonaro, em segundo. É isso, a cada vez que alguma dessas pesquisas é divulgada, que exclamam as manchetes da imprensa. Apresenta-se a sondagem, automaticamente, como a principal notícia do dia. Os “cientistas políticos” nos ensinam o que devemos pensar a respeito. Os partidos falam. Os editoriais se preocupam. O resultado é que os institutos de pesquisa e a mídia em geral acabaram construindo em suas telas de computador, ao longo das últimas semanas e meses, uma realidade própria para a situação eleitoral. Independente do que sejam ou não sejam os fatos, ficou estabelecido que a eleição do ano que vem será disputada entre Lula e Bolsonoro. Os pesquisadores e editores dirão que não é bem isso que estão fazendo. Mas é.
Eis aí uma modalidade educada de “fake news” — essa maré sempre montante de notícias falsas que tanto prospera nas “redes sociais” hoje em dia. As “pesquisas de intenção de voto”, como consta em seu nome e sobrenome, não são inventadas em cima de uma mesa, sem que se pergunte nada a ninguém – tanto quanto nos informam, há realmente entrevistadores e entrevistados, um número “X” de entrevistas, que são feitas em “X” lugares do Brasil e incluem “X” tipos diferentes de eleitores. Tudo bem – só que as pesquisas estão pesquisando o nada. Elas são “fake” porque revelam para o público uma realidade que não existe. E não existe porque não se sabe ainda quem serão os candidatos verdadeiros à presidência – aqueles nos quais o eleitor concretamente poderá votar no dia da eleição. Para que serve uma notícia sobre algo que pode, ou não, acontecer no futuro? É curioso: as duas figuras que segundo a imprensa aparecem “consolidadas” nas duas primeiras posições podem nem ser candidatos de verdade na eleição de verdade. Mais curioso ainda: pelos próprios números dessas pesquisas que “consolidam” Lula e Bolsonaro como os dois nomes que vão disputar o segundo turno em outubro de 2018, mais de 70% dos eleitores não querem votar nem em um e nem no outro. Quando as entrevistas são feitas de forma espontânea, ou não estimulada pelos questionários, os dois somam 28%.
Na verdade, as pesquisas colocam como líderes da corrida eleitoral justamente os dois candidatos mais detestados pelos eleitores – são os que têm os “índices de rejeição” mais altos, ou seja, aqueles em quem o cidadão diz que não vai votar “de jeito nenhum”. Há também as “margens de erro”, essa santa padroeira dos pesquisadores de votos, que pode ser de três pontos “para cima” ou “para baixo”. Ou seja, a pesquisa pode errar por seis pontos ao todo, o que frequentemente muda tudo para um candidato — e estar certíssima do ponto de vista técnico. Quem diz seis pode dizer oito, e de oito a dez é um pulo. Em resumo: se a pesquisa diz que fulano vai ter 30% dos votos e ele acaba com 40% na vida real, nenhum instituto acha que errou. De mais a mais, em 48 horas ninguém se lembra de mais nada do que foi previsto, e acaba ficando tudo por isso mesmo.
Qual o sentido de divulgar e fazer tanto barulho com algo tão parecido com fumaça? Nenhum – mas também não é intenção de ninguém fazer sentido nesse negócio. Ou, ao contrário, é justamente a intenção de muita gente criar uma situação artificial que atenda aos seus interesses políticos. Do jeito que ficou nas pesquisas, a eleição presidencial do Brasil em 2018, que ainda tem quase um ano para acontecer, já está praticamente resolvida: ou é Lula ou é Bolsonaro. Acredite, pois é “o que dizem as pesquisas” — ou então não atrapalhe a conversa.
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